Assisti, hoje, Love Actually. Uma narrativa que em muito me lembra outros filmes rizomáticos como Babel ou Crash. Movimentos, forças e intensidades atravessando corpos mil, configurando e desconfigurando histórias, relações, afetos, idéias. Corpos cruzados, descruzados, entrecruzados; corpos que se confundem, que se conflitam, que se constroem e se destroem, uns aos outros, outros ao Um.
O filme não se confunde às tradicionais tramas-rede, que parecem sentir um certo prazer na desilusão, no desmonte, na descrença. Love Actually é comédia romântica, por mais contra-aditório que uma tal classificação possa ser, soar e ressoar. A frugalidade da risada, o momento da piada, o instante da brincadeira, andando lado a lado à eternidade dum beijo. Chronos e Kairós andando de mãos dadas, andando em Largo e Presto, Scherzo e Cantabile, di molto ma non troppo. A comédia romântica é um de meus gêneros favoritos, justamente por ser processual, passagem, ponte. Para-doxa é a comédia romântica; vai além de seus personagens, de suas sagas, de seu desfecho. Sai de si e vem para nós. Encanta, ilude, inspira. Cria a ilusão mais real, o mito mais bem montado, a fé mais verdadeira. Para-doxo é o produto da comédia romântica. Minhas damas, meus cavalheiros, apresento-lhes o amor...
Pais e filhos. Maridos e esposas. Pais de família e amantes. Astros de rock e agentes publicitários. Primeiro-ministros e suas secretárias de Estado. Irmã e irmão. O menino tímido e a menina popular. Patrão e empregada. O solteirão e a mulher do seu melhor amigo. O desprezado sem-noção e seu Accent of Gentleman. Tanto amor, tanto afeto, tanta... Tanta coisa que nenhum grego, nenhum kantiano, nenhum moderno ousaria classificar esses entrelaçamentos. Relações demais para se discutir. Só nos basta vivê-las, por mais piegas, moralista ou puritana que toda esta pretensa lição possa parecer e aparecer. Interpretar demais a vida (principalmente as de outrem...) nos toma o tempo para saboreá-las, para sabê-las, para sê-las. E deixar de viver vidas, afetos e amores é disciplina na qual sou especialista...
Confesso sentir alguma dificuldade em encerrar este assunto. Iniciar amores é complicado mas - vocês devem saber - terminá-los é que dói de verdade. Dói porque desilude, desmonta, desconstrói. É triste. Ironicamente triste. Coloca-nos diante de um nada existencial, diante de nossas antigas ruinas para que, diante delas, choremos! E rimos de tanto chorar, pois tudo isso é contraditório e paradoxal. É nesse riso, nessa comédia, que construimos uma outra vida qualquer, um novo amor, uma nova rede, atada e já pronta para ser desatada... Sabem, parece exagero falar tudo isso de um filme; de uma ficção, olhem só! Mas falar de amor, sem exagerar, não é falar de amor. Ou então é melhor calar. O amor é, simplesmente, amor...