segunda-feira, 21 de outubro de 2013

A biografia do dono e o dono da biografia

O Facebook, em geral, exagera a polarização das ideias num duplo frenesi ideológico e empobrece as discussões ao colocá-las em termos de “Fla-Flu”, no qual as torcidas são separadas por arquibancadas virtuais (“comunidades”, “amigos”) que só reforçam e extremizam as opiniões de seus partidários. Mas por que a discussão sobre as biografias (não-)autorizadas, mesmo fora das redes sociais, está colocada em termos de "privacidade vs. liberdade de expressão"? Como escolher entre o que não pode ser escolhido, como escolher num esquema no qual o "ou isto ou aquilo" é impraticável? Chico Buarque carrega em si a ambiguidade da discussão: sendo a nova personalidade a ser surrada no Facebook por ser "o cagão com suas contradições", é, ao mesmo tempo, o único que colocou um argumento sincero e apropriado em toda essa fofoquinha cultural ao dizer que o historiador sério não pode cair num "mal de arquivo" e usar da mídia como fonte histórica confiável (a menos que seja a mídia o próprio objeto do historiador, mas aí já são outros contos). O argumento da privacidade é menor no texto de Chico, é em verdade um não-argumento alçado à categoria de argumento por quem preferiu o caminho mais fácil para justificar o injustificável (Paula Lavigne? O Procure Saber?), por quem preferiu seguir a linha da defesa da privacidade e escantear o que há de ouro (pouco, verdade) na fala de Chico Buarque. Se opinião conta numa conversa desse naipe, conto então que estou do lado de Paulo César Araújo. A questão não pode se resumir a uma querela entre os "defensores da privacidade" e os "guerreiros da liberdade", já que esse problema não existe! Tentar, via judiciário, impedir a publicação de qualquer material biográfico não autorizado pelo biografado ou seus descendentes é impedir o próprio exercício do pensamento histórico, e impedi-lo de maneira legitimada (aka. ditadura), ainda que tenhamos de aturar livros e mais livros contando inverdades sobre a nossa vida. A lição tirada dessa história toda? Creio que é o aprendizado de que ler não equivale a entender as palavras e frases grafadas numa superfície de inscrição, e que o papel nem sempre, quase nunca, nunca mesmo! - a impossibilidade é ontológica - contém a verdade, seja o papel no qual se grafa o verbo, o substantivo e o adjetivo, seja o papel que as mais diversas personalidades assumem numa discussão que é maior do que elas mesmas.