domingo, 17 de novembro de 2013

A volta de Spinoza, o comentarista político

Proposição: Ricardo Camargo Vieira, médico e vereador de Florianópolis (pelo PC do B), apresentou na tribuna um projeto de lei visando criar tratamento psicológico gratuito para os preconceituosos (racistas, homofóbicos, misóginos etc.).

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Definição: essa proposição é o oposto especular de um outro PL, apresentado pelo vereador catarinense Deglaber Goulart (PMDB) no início de Outubro pretendendo criar tratamento psicológico a homossexuais, versão regional da "Cura Gay" defendida pela Bancada Evangélica. 

Axioma: "preconceito" não é uma característica mental, mas uma produção histórica e uma constituição social. O preconceito não está na mente ou no cérebro.

Corolário: ora, uma cura gay não é possível, justamente, pois a homossexualidade não se resume a uma condição individual, e se ela é um "problema" é apenas por condições históricas e sociais que a leem como um problema. A impossibilidade de uma cura gay não é metodológica ("não dá pra fazer"), mas ontológica (não dá pra resolver o problema pois não é um problema).

Ambos os projetos não fazem sentido, nesse aspecto, e talvez essa proposição do vereador Ricardo Vieira (PC do B) seja boa pra mostrar, justamente, o que há de incoerência nas propostas "psicológicas" da bancada evangélica.

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Apêndice: não precisamos, repito, nem entrar no mérito da eficiência. A questão é que o problema é inexistente de início. Não é que "não dê pra curar", mas "não há porque curar, não há nada pra curar"! São questões mais históricas, modais, que psicológicas, individuais, tanto a homossexualidade quanto o preconceito, seja racial, sexual, de gênero etc. Resolver as coisas "no indivíduo" é não atingir o cerne da questão. Combater a violência (problema geométrico, social) incidindo nos violentos, matando e punindo os criminosos, pensando penalidades mais severas aos meliantes, investindo no aparato repressor policial (resolução aritmética, individual) é o mesmo erro mobilizando outros termos. Idem para o senso político que pensa a corrupção como a resultante de corruptos, a ciência que pensa a produção de conhecimento com o uso de métodos e protocolos instituídos, o sistema jurídico que confunde justiça com código penal, o boa vida que tenta construir felicidade com a sucessão de alegrias, a religião que prega o fortalecimento da através de ritualismos e crenças eclesiásticos, o militante que luta e muda consciência e mundo adentrando em partidos e sindicatos. Exemplos existem aos montes, e atravessam muitos e muitos domínios. A liberdade? É cada um, em seu próprio domínio e existência, perseverar no seu ser.