sábado, 6 de junho de 2009

O Bêbado

O homem se levanta. Um banho gelado e um café quente fazem companhia a ele e a seu pão diário, ambos meio dormidos. Toma, religiosamente, seu desjejum. Veste, metodicamente, sua farda. Ruma, asceticamente, ao seu trabalho. E trabalha! E produz! E registra! E consome! E deseja! E - depois de tanto rodar - cai! Cansa de ficar parado e resolve diferir de si mesmo. O homem - então! - resolve aloprar. Sai do trabalho e escolhe se perder no caminho de volta pra casa. Conhece gente importante: poetas e pensadores, santos e sujeitos, corifeus a figurarem como ruas, avenidas, praças e travessas desconhecidas. O homem se perde na imensidão de seus novos amigos e se esbarra no Zé. Resolve - por ele, com ele e nele! - tomar uma ou outra dose de poesia. E - fraco e desacostumado que era à vida - embebeda-se! O homem se percebe bêbado quando não consegue mais contar quantas já virou. Foi-se embora o número, coitado! Bom moço, mas por demais exato para agüentar o homem e seu copo a transbordar. O homem se levanta e vai ao mictório. Cambaleia, tal qual o capoeira, talvez porque tentou caminhar reto quando não devia. Bêbado, percebe que não deve mais nada! Alivia-se do peso inútil do seu dia e, pronto para mais arte, encontra-se com o espelho. O homem percebe a si mesmo. Igualzinho, mas totalmente diferente! Fita os seus olhos semi-cerrados, sua tez rosada, um filete de saliva a lhe escorrer pelos cantos da boca, o cabelo desalinhado, o zíper da calça ainda aberto e uma porta que esqueceu de se fechar! Mira sua imagem destruída e rí como uma criança rí da piada velha. O bêbado percebe que - embora tenha de ser homem - ainda é um menino. Caule ancião, mas que ainda insiste em fazer brotar flores e cores. O homem, senhor de si, perde o controle da criança traquina. Bebe, bebe e bebe, até tombar. E se levanta! O banho não mais acorda e o café já não mais desperta. Sua cabeça dói e suas pernas fraquejam. Do topo à base, o corpo avisa: não quero trabalhar! Nem produzir! Nem registrar! Nem consumir! Quero abandonar o homem velho e beber o vinho novo. De novo! De novo! E de novo. Desejar, transbordar, apaixonar. Ser criança outra vez. Mas é só até o homem, à sua casa, voltar...

2 comentários:

Mairla disse...

é como tinha dito a vc quando conversamos...perceber-se bêbado é muito bom. ficar bêbado só porque resolver levantar da cadeira pra ir no banheiro! porque sentado ninguém fica bêbado, só quando se levanta.
e rir disso na hora é bom. ri depois também. ficar bêbado com os amigos, todos bêbados iguais, se resolve em fluxos de ideias livres. ou livres de ideias, quem sabe...
como diz o poeta, sejamos bêbados e façamos poesia :)

Kleber disse...

O ébrio

Bebi! Mas sei porque bebi!... Buscava
Em verdes nuanças de miragens, ver
Se nesta ânsia suprema de beber,
Achava a Glória que ninguém achava!

E todo o dia então eu me embriagava
-- Novo Sileno, -- em busca de ascender
A essa Babel fictícia do Prazer
Que procuravam e que eu procurava.

Trás de mim, na atra estrada que trilhei,
Quantos também, quantos também deixei,
Mas eu não contarei nunca a ninguém.

A ninguém nunca eu contarei a história
Dos que, como eu, foram buscar a Glória
E que, como eu, irão morrer também.


soneto de Augusto dos Anjos