
Num primeiro momento, discutimos sobre a Boa Nova do Cristo - segundo João - e as implicações decorrentes de suas traduções várias. Em um instante segundo, falamos sobre Heidegger e - mais uma vez - sobre traduções. Com este post, viso criar uma terceira imagem para bem fechar nosso colóquio. Poderia até dizer que os três artigos criam uma única e mesma imagem, devendo ser lidos numa única torrente de pensamento.
Agora, pensemos não só em João ou em Heidegger, mas em todo e qualquer objeto de pensamento que se nos afigure em nossa alma. Fórmulas, pinturas, orações, sistemas, melodias, brasões, mapas, balés, ritos... Qualquer conceito científico-filosófico, qualquer produto poético-artístico, qualquer dito metafísico-teológico. Resumindo: qualquer coisa que se manifeste enquanto uma coisa! Um ente-imagem! Um conceito manipulável! Mas o conceito, enquanto categoria espacializada, é apenas uma organização arbitrária dum fluxo caótico, uma parada no fluxo do tempo, a ponta do processo. Pedirei emprestada, agora, uma metáfora do mirífico Schopenhauer para bem ilustar nosso texto-imagem.
Um acadêmico, ao registrar uma obra qualquer, passou por afetos e sentimentos muitos que não sobressaem na palavra escrita. Leu isto e aquilo, conversou com Fulano e Sicrano, descobriu algumas coisas e se confundiu com algumas outras. E tudo isto resulta numa obra! Suas experiências podem ser pareadas com um suculento banquete: frutas, carnes, sucos, vinhos e - claro - boa companhia. É por esta situação que um cientista, um artista, um místico ou um filósofo passam quando estão a produzir. Eles saboreiam! E o que a nós resulta é, tão somente, a "obra" depois do jantar. O cocô morto e inerte que, com muita pompa e orgulho, manipulamos, cheios de vaidades e arrogâncias.
E é nisto que poderíamos resumir todos as nossas filosofias, todas as nossas sinfonias, todos os nossos ritualismos, toda a nossa ciência e sapiência. Tudo é merda!!! Conhecer bem as "obras" de Platão e Bergson, Beethoven e Baden Powell, Jesus de Nazaré e Mahatma Gandi é apenas assumir-se possuidor de diversos cocôs! Somos escatologistas especializados! Por mais saborosos os alimentos consumidos, por mais saudável a dieta à mesa, por mais agradáveis as pessoas a dividirem o pão, tudo o que nós consumimos é o produto final de alguém que resolveu "obrar".
Mas apontar a natureza baixa de todos os nossos produtos conceituais não implica que devamos nos livrar de nossas obras - passadas e porvindouras - para todo o sempre. Estou apenas sugerindo que olhemos para as alturas. Esta metáfora do Schopenhauer, por exemplo. Ele a escreveu no gigantesco Parerga e Paraliponema, que foi editado e traduzido - aqui no Brasil - numa pequena coletânea de textos entitulada A Arte de Escrever, cujo volume foi comprado e lido por um amigo meu que, posteriormente, comentou-a comigo. Apenas um pequeno coliforme deve ter chegado a mim: este é o pensamento ao qual somos tentados a assumir. Se ele é verdadeiro!? Sim e não! Vejamos.
Estou estudando, de forma auto-didática, o idioma alemão. E muitos são os que se espantam quando o descobrem, geralmente por terceiros que aumentam ainda mais a importância do fenômeno. Mas imaginemos que este que vos fala seja, neste exato momento, transportado magicamente à Alemanha. Meu ridículo, grosseiro e teórico conhecimento da língua germânica de nada me servirá! E mesmo que eu consiga dominar o deutsch com fluidez e maestria antes do teleporte, este conhecimento em nada me diferenciará dos demais! Um saber que, de tão banal, nem seria considerado como saber por outrem.
O que não quer dizer, obviamente, que meu alemão seja inútil. E é este o ponto a ser apontado em nossa discussão. Aprender sobre platonismo, sinfonias românticas, cristianismo essênio, termodinâmica, estatuaria helenística, budismo tibetano ou qualquer outra merda não é, de todo,

Aprender coisas e mais coisas, saberes e mais saberes, merdas e mais merdas, é como aprender um idioma! Tanto nos possibilita a comunicação com um sujeito outro quanto nos mostra uma nova forma de encarar as coisas mesmas. Aprender coisas, quaisquer que sejam, só nos é interessante quando nos dá aquele toque no espírito, um frio na espinha, uma sensação de ser lançado no desconhecido. A imagem, a palavra e o conceito são apenas obras. São pontos finais. Mas pontos que querem, em nós, desencadear processos originais. A imagem quer virar imaginação; a palavra, ação; e o conceito, afeto. O que a prosa deseja é ser um pouco mais de poesia...