quarta-feira, 15 de julho de 2009

O porquê de eu não ser inteligente...

É engraçado ser visto como um arrogante por nutrir afinidades com um pensador hermético como o Heidegger. Ou - até pior! - ser considerado inteligente por esta razão. Fala o Goethe pelos lábios de Wherter que os prosaicos o consideram por demais devido à seu intelecto, seus dotes artísticos ou sua retórica, mas é de seu coração que ele unicamente se orgulha; e este ninguém conhece! Saint-Exupéry transborda vida através do Petit Prince: "L´essentiel est invisible pour les yeux"! Fala Paulo de Tarso dos ditos indizíveis. Comenta Sidarta sobre o silêncio do Nirvana. Proclamam homens e mulheres sobre a ilusão do eu pensante - do Ego Cogito Cogitatum! - que insiste em nos dar uma unidade egóica mesma a nos identificar e cristalizar a invenção em nós.
Antes de pôr em movimento o pensamento, peço desculpas por tanto tempo sem nada escrever. Fui acometido pela síndrome de final-de-período que costuma assolar os acadêmicos e universitários: avaliações, ensaios, artigos, relatórios. Diz Bergon que o tempo é aquilo que impede que tudo seja dado de uma só vez. Parece que dessa vez Chronos resolveu aloprar tal qual seu irmão mais novo e me enviou tormentas, geadas e chuvas numa mesma estação da colheita, o que frutificou numa enfermidade que ainda insiste em fixar morada em mim. Mas voltemos a nossa programação...
Seria interessante que processassemos nossa conversa na mesma viagem do texto anterior, sobre o versículo inicial do afectivo evangelho joanino. Vão lá, dêem uma lida e caiam aqui de novo, pois é justamente sobre processos, viagens e afetos que trata o "dificílimo, prolixo e incompreensível" Heidegger. Tomemos como exemplo dois termos sinônimos usados em sua fenomenologia hermenêutica: o Dasein e o Inderweltsein.
Dasein é normalmente traduzido por "Presença" nas edições brasileiras, o que corresponde - deveras - a uma transliteração fiel do vernáculo cotidiano. Façamos algumas observações, entretanto. Dasein é Da-Sein. Da é advérbio de lugar, e significa "aí". Sein é o substantivo "Ser". Isto fica ainda mais claro no conceito correlato Inderweltsein. In e der, juntos, formam um locativo e Welt equivale ao nosso substantivo "Mundo". Numa tradução mais proximal da terminologia utilizada, poderíamos usar "Ser-aí" para Dasein e "Ser-no-Mundo" para Inderweltsein. Estas, inclusive, foram as opções escolhidas em edições mais recentes - e felizes! - das obras heideggerianas. Outra opção de tradução, ainda, é manter a nomenclatura original dos conceitos. Muito comum é pegar algum texto do/sobre o Heidegger e encontrar o Dasein mesmo por lá.
Minhas ressalvas! Quando um alemão pronuncia, escuta e lê Dasein, ele não entra num mesmo estado de espírito que eu entrei, num exemplo particular, ao ler "Presença", dado o caráter individualista da palavra "Presença" a contrastar com a transcendência de si e o lançar-se ao outro que Heidegger quis sugerir com os nomes utilizados! Tampouco quando li "Ser-aí" ou "Ser-no-Mundo" eu entrei na mesma temporalidade do germânico do Dasein e do Inderweltsein, visto que os nomes brasis são notadamente artificiais, ao contrário dos cotidianos termos germânicos. Por fim, utilizar a terminologia original - Dasein, Dasein, Dasein - pode causar um efeito encantatório no leitor brasileiro, que se deixa sugestionar por uma palavreta nova a alimentar sua verborragia.
Como, então, transformar está dilemática que se nos afigura num problema resolvível? O Conjunto Solução que eu encontrei: procurar ler Heidegger no original, em alemão! E já imagino as caras, bocas, feições e perceptos que se deram nos senhores: "que arrogante-filho-da-puta!" ou "caramba, mó inteligente esse bicho!" ou, ainda, "esse daí quer mostrar que sabe mais do que realmente sabe!" Frases que - não só as creio como já as saboreei - pululam na alma de outrem! Mas não se trata de simples pedantismo, nem de intelectualismo elevado. Muito menos se trata de mostrar que sei mais do que sei em Espírito e em Verdade, visto que este movimento não ambiciona analíticas conceituais ou demais produtos da inteligência. O que viso é, simplesmente, atingir o movimento, o fluxo, a vida que tentou alcançar vôo através do filósofo numa gaiola de palavras.
Heidegger não é, simplesmente, "inteligente pra caralho" ou "desnecessariamente rebuscado" nem "quer esconder o vazio da sua interioridade psíquica numa retórica incognoscível aos intramundanos"! O que ele fala não é do plano do prosaico, do lógico ou do intelectual, mas sim do poético, do artístico e da intuição. Buscar ler Heidegger em alemão é, destarte, aproximar-se da criação original que se deu no autor, que se constitui na obra mesma que, nele, escolheu se manifestar! O que importa, aqui, não é o ponto inicial da ignorância total nem o ponto final da sapiência cósmica, mas o traçado feito duma coordenada à outra. O próprio Heidegger, saliento, faz constantes citações a textos em grego, com seus caracteres originais, como alguns diálogos platônicos e, principalmente, registros aristotélicos... E isto sem apresentar uma tradução! "Miserável!", gritam alguns. Mas ele sabe que nenhuma palavra, conceito ou imagem podem representar a pura presença do Ser no homem. Ele sabe que não se "pega" a idéia sem o esforço de se debruçar sobre livros, rever opiniões e substituir valores. Posso até melhorar minha assertiva: não é a taverna ao final da empreitada que alimenta o aventureiro, mas a caminhada angustiante é que o fez crescer...

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