quarta-feira, 5 de março de 2014

Impostura intelectual

Por esses dias, soube do caso: mais de 120 artigos já publicados - e isso só depois de 2008 - foram "escritos" por um programa de computador, um "gerador de lero-lero". Chocante, de fato. Curioso, no mínimo. Lembra-me o Caso Sokal, mas não muito. À época de Sokal, toda uma crítica lalante e furiosa foi jogada para cima dos vilões da vez, do mal do mundo, sim, os malditos pós-modernos e seus textos impenetráveis, textos que nada de sério carregavam entre uma e outra palavra anunciada. Agora isso, de novo. E os vilões de outrora - os tais viajantes do tempo, os tais pós-modernos - são reatualizados e aparecem, mais uma vez, como bodes expiatórios de um problema que é maior do que qualquer guerrilha acadêmica de trincheira. Meu incômodo tem mais de ver com a repercussão da notícia que com a notícia ela mesma. Assim que a manchete foi veiculada, pudemos ver frases e mais frases do tipo "só podia ser coisa de pós-moderno" e variações. Detalhe: a maioria dos artigos publicados é da área de exatas, e muitos deles oriundos de eventos ocorridos na China. Meu incômodo, insisto, tem a ver com a atribuição de culpa a um bode expiatório qualquer - neste caso, o cachorro morto e já chutado do pós-moderno - ao invés da colocação do problema em termos não individuais. Se 120 artigos de mentirinha, artigos que não dizem nada, passam pelo crivo de uma banca de correção, e às cegas, devemos, isso sim, rever nosso modo de entender e pôr em operação o saber acadêmico, que demanda de nossos professores uma produtividade curricular, fabril e empresarial, acabando por saturar nossas editoras com pilhas e mais pilhas de textos e pesquisas que, mesmo quando nos dizem algo, nos dizem sempre mais do mesmo. Não há revisão por pares que dê conta de uma estrutura produtiva insana como essa. No mínimo - no mínimo! - nossa maneira de avaliar o que produzimos e de entender o que é avaliação deve ser revista. Frente a isso me pergunto: por que Lyotard, Guattari, Lacan, Derrida e Foucault, enquanto obra e, principalmente, enquanto pessoas, são "os culpados" pelo que houve? E de novo!?



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