Nosso saber tradicional é empacotado, dividido, espartilhado. A ciência cuida dos pensamentos ideais; a arte, dos sentimentos viscerais; e a política trata de bem agenciar todas estas coisas, como realidades postas e dadas. O encontro da ciência, da arte e da política na terra de Cartesius não nos soa como fato coincidente, mas como uma discussão profunda na pedra angular do conhecimento.
O que o filme propõe é uma complexificação desta pretensa simplicidade das matemáticas, uma sinceridade epistêmica, onde cientistas, artistas e políticos reconhecem as limitações de seus saberes. Propõe-se uma ciência que é arte a ser contemplada e política a ser agenciada; uma arte que é ciência de si e política do mundo; e uma política que é práxis e theoria de nossas belas artes e boas ciências.
Podemos, facilmente, casar a obra de Capra com o discurso do Boaventura, principalmente no tocante à emergência duma nova percepção dos nossos saberes e fazeres científicos. A superação da dicotomia sujeito-objeto, a crítica à especialização e a proposição dum saber holístico são três pontos que se atravessam em ambas as discussões.
Por ser erigido sob a matemática cartesiana e a filosofia mecanicista, o saber moderno é quantitativo, categórico e pretensiosamente universal, tornando o conhecimento das coisas uma medição rigorosa das mesmas. Tal percepção, por nos legar um método capaz de bem conhecer o real, acaba criando um homem solipsista e esquizóide, independente da natureza à qual ele pretende prever e controlar. Homem, sujeito puro e transcendental, o que justifica toda uma manipulação desenfreada do mundo e, destarte, de outros homens!
Tal aferição rigorosa da natureza também tende a formalizar e sectorizar nosso conhecimento, por emular o formalismo matemático. Ciência pra lá, arte pra cá, política pra acolá, religião pra além... Ainda assim, tende-se a espartilhar o saber da natureza – e a própria natureza, no processo – dentro de tais setores! Ramificações e subdivisões que se assemelham muito menos a uma orquestra sincronizada do que a nativos de diferentes países presos numa praia deserta.
O conhecimento proposto em uníssono por Capra e Boaventura é total e, por ser total, é curiosamente individualizado. O novo cientista é plural, inventivo e pouco categorizável, assim como a sua produção de saber, que é o transbordamento de si no mundo. A produção de conhecimento como auto-biografia, posicionamento de si em relação às coisas.
Anteriormente posto, o Peixe Preso dentro do Vento – fisgado pelo Pablo Neruda e declamado por Thomas ao final do filme – nos revela uma verdade de difícil ruminação. Invisível, de tão óbvia que se nos aparece! Da mais excelsa filosofia ao mais gracioso dos poemas, da mais formal lei científica à mais radical transformação social – enfim! – toda a nossa produção de saberes só faz sentido, só cria um sentido, quando nos torna – individual e coletivamente – mais felizes!
Neruda nos mostra, através de cornucópias e madrepérolas, que nossos saberes sobre o real pouco tem de ver com o real per se. As representações que fazemos do mundo são – justamente! – isto! Re-presentações! Modelos ideais que são presentificados vezes e mais vezes, sempre que por eles chamamos, necessitamos, clamamos! Re-petição!
Falar sobre vastos oceanos e profundidades abissais é, tão somente, falar sobre eles. Por mais rigorosas que sejam nossas medidas, por mais adjetivadas que sejam nossas descrições e por mais funcionais que sejam nossas teorias. A sapientia não corresponde à catalogação e manipulação de culinárias e mais culinárias, mas sim dum saborear sutil – vivo! – do mundo e de nós. Calemos sobre o mar! Deixemos que as lagostas e as medusas teçam suas próprias práticas e contemplações sobre si mesmas. Deixemos que vivam...
Um comentário:
Como poderia comentar este texto sem antes ter assistido o filme. A interconexão do universo, o mistério do subatômico, a angústia da existência. Todos em uma única problemática. Conhecer o todo é impossível e só ver as partes é imcompleto.
Agir, pensar ou sentir? Todos estão certos, mas o importante é viver.
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