segunda-feira, 1 de março de 2010

Impressões

Dêem uma olhadinha na pintura abaixo. É o Impression, Soleil Levant (1872), do Claude Monet. Recomendo que os senhores ampliem a imagem e dispendam alguns segundos de seu dia para saborear a obra...

Comecemos, agora, a descrever o quadro. Um esquife com duas pessoas. Outra embarcação, mais ao longe. Um pôr do sol. Seu reflexo nas águas calmas. Um velho porto. Pedras no horizonte... E continuaríamos a analisar o quadro até a exaustão - nossa ou da pintura! - tentando figurar todos os seus objetos e transformando a simplicidade da pintura do Monet num discurso intelectualóide sobre arte, estilística e coisas afins. Observem cada um desses objetos tomados em isolado. O barquinho. O sol. A água. O porto. As pedras. A luz. Tomadas separadamente, não passam de manchas disformes e sem delineamento. São borrões feios, tais quais os desenhos dum pré-escolar!
E é neste mesmo comprimento de onda que residem as críticas do pintor e escritor Louis Leroy feitas ao quadro: "Impressão, Nascer do Sol - eu bem o sabia! Pensava eu, se estou impressionado é porque lá há uma impressão. E que liberdade, que suavidade de pincel! Um papel de parede é mais elaborado que esta cena marinha." O termo "impressão", usado para depreciar a arte de Monet, foi aproveitado pelo mesmo e por seus colegas para batizar esta revolução criadora pela qual a arte atravessava. O movimento impressionista, como ficaria conhecido, rompe com o passado! Pinceladas soltas, o uso de massas de cor e de formas pouco definidas não objetivavam representar a realidade, mas suscitar as impressões da mesma no espírito do esteta!
O impressionismo pictórico seduz pela luz e pela cor, não pela forma. Nova linguagem! Intuição transcendente e sensação visceral num mesmo golpe de pincel, ansioso em destruir formalidades. O impressionista foge da pintura fotográfica e das técnicas mecânicas de representação do real e se lança na impressão sensorial que cria a realidade mesma em nós. O artista, aqui, não é um simples copiador das aparências sensíveis - oh, poeta platônico! - mas um criador das idéias no espírito! Olho o quadro do Monet: "um barquinho tosco, um sol tosco, um mar tosco!", discursa o fotógrafo em mim, analisando as geometrias presentes na pintura. Olho de novo, sem meus óculos de erudito. E sou impressionado pela imagem, pelo Todo da imagem! Não falo da soma de suas partes, nem duma totalidade gestáltica. O Todo é aquilo que extrapola qualquer formalização do sentir, qualquer discurso sobre o ser, qualquer espacialização do tempo!
Falo o mesmo do impressionismo musical, que tem Claude Debussy como principal representante. Outros músicos fantásticos, como Ravel, Fauré, Dukas, d´Indy e Satie também costumam ser apresentados como participantes deste grupúsculo, mas só Debussy foi um "impressionista puro". Suas músicas repudiam a ortodoxia acadêmica e as boas regras para compor. Seus acordes não fazem o papel tradicional de base harmônica, mas adquirem um novo status de sonoridade, sons que valem por si mesmos! Suas escalas vão além das tonalidades clássicas, sendo notável em algumas de suas inspirações - como a Suíte Bergamasque - o bom uso de antigos modos medievais ou de exóticas escalas orientais. A quarta e última parte desta suíte, Passepied, ou o Pagodes, introdução das Estampes, são boas audições para se sacar estas palavras frias.
O que quero dizer com isto tudo!? Garanto aos senhores meus amigos que não é demostrar a superioridade do impressionismo a respeito das outras estilísticas e escolas de arte. Bach, Rembrandt, Albinoni, Caravaggio, Mozart, Fragonard, Haydn, Watteau, Beethoven, da Vinci, Chopin, Delacroix... Todos eles nos causam "impressões". Claro que causam! Como poderia eu negar isto e conceder apenas a Debussy e Monet o status de artistas? Jamais! Mas é no impressionismo que a arte adquire novo status qualitativo, sendo toda a tradição técnica, formal e quantitativa submissa ao passado-duração que se re-atualiza e se re-cria no presente!
As formas são possuídas pelos profissionais, em resposta a uma demanda de época sobre como se deve e como não se deve fazer. O impressionista, sendo assim, não professa a sua fé no cânone. É um amador! Domina as formas - sim, senhor! - mas com elas se deixa levar, como uma criança abobalhada dentro do casarão do avô a fazer arte nova nas velhas mobílias. Não toca, mas é tocado! Não pinta, mas seu mundo é agraciado com novas matizes! Seria maldade colocar o impressionismo como ponto último de gradação da arte. Estaria eu negando todo o post que escrevi e todo o papo de criação e novidade que tanto toco neste weblog. Outra maldade interessante seria, levando a sério o comentário anterior, considerar todos os dragões que citei no parágrafo de cima como profissionais com características impressionistas. Uma sentença tão falaciosa e mal-colocada que me causa estranheza pensar-me intuindo a mesma! Barroco, rococó, neo-classicismo, pré-romantismo. Formas de época mas formas a posteriori, discurso do futuro sobre um tempo de outrora. O bom artista não segue época, estruturas, categorias, transcendentalismos e pacotes afins, embora utilize dos mesmos pra guardar suas impressões. É um homem adulto e amadurecido, mas que insiste em fazer arte como uma criança brincante, seja borrando telas, seja martelando pianos, seja na sua cotidianice embaçadora... Impressionem!...

Um comentário:

Ísis Vasconcelos disse...

Muito legal seu texto James. O impressionismo, assim como tudo o que surge e se materializa de um modo diferente do que já existe, veio para causar. mas como tudo o que se institui, ele virou um instituido também. Agora já existe o "modo de ser impressionista". Que amanhã surja uma nova ideia então!