quinta-feira, 17 de junho de 2010

O que eu aprendi com Sigmund

Um sintoma é o substituto duma satisfação libidinal que, recalcada, permaneceu em latência. O recalque se dá quando o eu, submetido às ordenações superegóicas, recusa-se a pactuar com um desejo provocado no isso. Esta resistência pode ser pensada como um movimento defensivo que o organismo adota contra um processo interno, de maneira semelhante às defesas utilizadas contra os estímulos de fora. O psiquismo, quando assolado por algum perigo externo, foge, retirando o investimento da percepção do objeto perigoso e angustiante ou, ainda, inibindo certas funções do eu de maneira tal a tornar impossível a percepção deste objeto mesmo. O recalque é um equivalente desta tentativa de fuga, mas para um perigo oriundo do próprio aparelho psíquico.

A concepção freudiana do funcionamento da alma, acima disposta, cria condições para se pensar uma terapêutica diferente dos sistemas semiológicos e fisicalistas ao recolocar os limites entre normalidade e patologia, visto que põe a neurose como o modelo de funcionamento normal do psíquico. Freud, destarte, estabelece uma clínica sobre uma compreensão patológica erigida não sobre o sintoma, mas sobre seu funcionamento; qual o desejo recalcado que, numa satisfação substitutiva, deu origem a este sintoma; e, por fim, qual o motivo do recalque.

Sua obra, originalmente dedicada aos médicos que praticavam suas observações, faz-nos pensar sobre alguns pontos de nossas atuais práticas Psi. Se escrevia para médicos, hoje fala a psicólogos. Num texto de 1912, Freud aponta alguns macetes técnicos que adquiriu com sua própria experiência de trabalho. Numa primeira recomendação, pede que evitemos anotações durante o atendimento clínico, mesmo que estejamos responsáveis por vários e vários pacientes, muitas e muitas experiências num mesmo dia. A atenção, devendo flutuar, não deve privilegiar uma e outra informação produzida na clínica. Fixando-se os pontos, nos arriscamos a só descobrir o que, de alguma maneira, já sabíamos!

Essa atenção, suspensa e flutuante, é uma espécie de contraparte à exigência analítica, feita ao paciente, de tudo comunicar e nada selecionar. A atividade do analista não é a escrita, mas a escuta. Sua consciência é sempre focada, deveras, mas deve estar abandonada à memória inconsciente. O trabalho de interpretação analítica não consiste em registrar informações, mas em estar aberto à elaboração das lembranças junto ao paciente.

A sapiência do analista não deve ganhar ares de ambição terapêutica, mas deve estar voltada a garantir esta relação inconsciente, impessoal, entre analista e analisado. Fala-se dum tal distanciamento emocional na prática analítica, mas não se trata de embotamento afetivo, e sim da evitação de especulações no curso da análise que, além de desencaminhar a produção de lembranças e pensamentos, cai numa pedagogia moralizadora do sujeito que desnorteia o paciente – agora objeto de conhecimento acadêmico – em seu próprio sofrimento. Antes do falante, o ouvinte...

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