quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Senhorinha


Dança comigo, moça! Que importa se você não tem um par de sapatos!? Posso ficar descalço, se quiser. Pronto. Fiquei. Vem cá, agora. Conta pra mim aqueles segredos que nem você conhece. O quê? Repete, que não entendi. Rouquidão. Deixa eu chegar mais perto. Mais. Um pouco mais. Isso. Fala no ouvido, agora. Um sussuro. Tremo. Continuo a não entender coisa alguma. Mas agora estou com um sorriso estranho, estranho e sem propósito, a estampar minha seriedade. Sorriso bobo. Palavra boba, esta. Bobo. Bobo! Bobo? O signo rachou. Qual o teu encanto, feiticeira? Um pouco de mel nos olhos, uma pitada de açucar nos lábios, algumas palavras sussurradas ao vento. Mágica das mágicas, a tua poesia. O cotidiano se torna o mais fantástico dos mundos. Teu olhar foge, entretanto, e não consigo desvendar-lhes o sabor. Por que? Por que não mira a mim!? Isso, devagar. Fugiu de novo! Olha mais uma vez. Sustenta. Sustenta a dor. Sorrimos. Mas você se vai. E vai para longe. Estico o braço mas não te alcanço. Distante, faço arte. O romântico enumera: uma dança, mas não tenho mais par, deveras; ponho e componho música, mas sem um instrumento para lhe carregar; faço poesia, então, mas não há livro que a suporte; pinto a beleza em você, mas as tintas não bastam; esculpo seu movimento, mas ele morre - inerte - congelado no mármore; um museu de infinitos quartos para guardar tudo isso. 15 minutos de fala e de fama. Os blocos do artista querem construir castelos no espírito de outrem. Não para aprisioná-lo, como se acostumam os estetas. Mas para fazer com que o espírito se perca e se encontre, ria e se desespere, espante-se e compreenda. Blocos sutis, os seus. Arte feita com os pedaços do cotidiano. Pedaços de mim, esmigalhado, esfacelado, disperso. Reunido, em suas mãos. Estou em suas mãos. Pequeninas. Não cabem muitos delírios, nelas. Principalmente os do futuro. Abomina-os. Escondo-os comigo, para não te afugentar. E continuamos no baile. Sem sapatos. E a banda toca, mais uma vez. Dança comigo, moça?

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