domingo, 22 de junho de 2014

Conversemos, mas com argumentos II

Uma pesquisa, publicada final do ano passado pelo Banco Mundial, aponta o SUS como referência internacional na área da Saúde Pública, já que, ao lançar a base jurídica para universalizar o acesso aos serviços, ajuda a constituir e reconhecer a saúde como um direito. Obviamente, o SUS enfrenta diversas dificuldades e desafios - e o próprio trabalho os aborda - como a necessidade de um maior aporte de recursos ao sistema, uma melhoria na sua capacidade gerencial, o próprio aprimoramento técnico dos serviços de saúde e, dando continuidade a empreitadas como o Mais Médicos!, expandir ainda mais a cobertura da atenção primária. De qualquer maneira, o estudo é contundente ao colocar o SUS como responsável pela ampliação do acesso populacional aos serviços básicos de saúde, além da redução maciça da mortalidade infantil nesses pouco mais de 25 anos de SUS.

Desta feita, qual não foi a minha surpresa quando, ao acessar o Facebook, dei de cara com uma matéria do R7 Notícias desprestigiando, genérica e tecnicamente, o sistema de saúde nacional.

A 'desinformação viral', já inerente a essas terras digitais, parece estar se tornando norma com a proximidade das eleições. Resolvo fazer, como de praxe, uma pesquisa pra atestar a veridicidade do enunciado (e "pesquisar" - aí vai uma dica para os "compartilhadores de plantão" - nem me dá muito trabalho; basta jogar as palavras-chave no Google e ficar já nas primeiras páginas de busca do site e voilá...).

O tal do "ranking mundial" é uma pesquisa da Bloomberg, uma empresa sobre "informações do mercado financeiro". A metodologia de ranqueamento ignora a realpolitik de cada um dos sistemas em questão e, para produzir o Índice Bloomberg de Eficiência da Atenção à Saúde, ordena os países de acordo com três indicadores numéricos, 1) a expectativa de vida, 2) o gasto do cidadão em saúde, em proporção ao PIB e 3) o gasto 'per capita' em saúde. O primeiro indicador tem uma relação direta com o Índice, enquanto os dois últimos mantém uma relação inversa com o mesmo.

O brasileiro possui uma média de vida de 73,4 anos e um gasto médio por ano de 1.121 dólares em saúde. Esse gasto, se posto em proporção ao PIB, seria de 9,9%. Todos os dados, e a posição de cada país no ranking total, e a posição de cada país em cada uma dessas variáveis, podem ser encontrados no próprio site do instituto

Nota de rodapé da pesquisa: o levantamento considerou apenas países com mais de 5 milhões de habitantes, com PIB/per capita maior que 5 mil dólares e expectativa de vida maior do que 70 anos. 48 países são escalados nessa brincadeira.

Olho todos os dados dispostos pela própria pesquisa, e vejo que o Brasil fica em último no escore geral (48ª posição). Qual a conclusão direta a que chego? Que o Brasil, a despeito da proposta de universalidade e gratuidade do seu sistema de saúde, tem um gasto privado na saúde (os tais 9,9%) superior aos gastos públicos (que foram de 8,9% do PIB, em 2013; cf. a Nota Técnica n° 012, de 2013, da CONOF/CD); ou seja, o Mercado investe mais em saúde, no Brasil, que o Estado; ou seja, no Brasil a saúde ainda é uma questão de serviços e produtos, e não de direito. O "ou seja" final: o problema do SUS é que ele ainda não se realizou por completo!

Eu, um leigo em Saúde Pública, chego a essas conclusões só através da primeira página de pesquisas do Google e da minha disposição, bem pouquinha, em matutar um instante antes de dizer e partilhar verdades. O que o R7 Notícias, um site "especializado", apresenta: que o "Sistema de saúde brasileiro fica em último lugar em ranking mundial". E ignora a pouca abrangência de um tal Índice ao comentar apenas superficialmente quem são os seis primeiros colocados do campeonato: Hong Kong (?), Singapura (?), Japão (esse, tudo bem), Israel (!?), Espanha e Itália (ambos carcomidos em seus sistemas de bem-estar social devido aos arrouchos da UE). E, destes, TODOS possuem gastos privados em saúde superiores aos do Brasil.

Tirem suas próprias conclusões, contudo, e, mais uma vez, conversemos.

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