domingo, 18 de janeiro de 2009

Aproximações entre a Fenomenologia Husserliana e a Teoria da Forma

“Se a idade de Matusalém me fosse concedida, quase que ousaria entrever a possibilidade de vir ainda a ser um filósofo.” (E. Husserl)

Este texto foi um de meus trabalhos de conclusão de disciplina sobre Fenomenologia, Existencialismo e Gestalt, por isso o caráter formal (logo, impessoal) do mesmo. Lida com alguns conceitos da fenomenologia de Husserl e dos teóricos da forma. Nele, eu esboço (esboço, mesmo!...) o nascimento do movimento fenomenológico e discorro sobre a Gestalttheorie. Após tais referências, faço algumas breves aproximações entre ambos os pensamentos como nos conceitos de Intencionalidade e Campo Perceptivo ou Essência e Forma, apontando suas identidades mas, também, suas contradições e rupturas como o contraste entre o idealismo husserliano e o realismo da Gestalt. Comecemos!

A Fenomenologia e o Princípio de Intencionalidade

Por filosofar, entendemos a busca não dum conhecimento específico, mas de seu fundamento, origem, ponto de partida. Há um certo desejo secreto, no filósofo, de ser o fundador e o findador do conhecimento. O pensamento de Husserl destinou-se, assim, a solucionar a problemática do positivismo, abalado quanto a sua pretensa objetividade e validez universal, resultando numa crise não só filosófica, mas das emergentes ciências humanas, utilitárias do modelo das ciências naturais, e das próprias ciências duras.

As ciências do homem – ou ciências morais, como a elas Husserl se referia – em especial a Psicologia, são por ele censuradas por terem tomado os métodos das ciências da natureza, ignorando a especificidade de seu objeto, lidando com as atividades humanas como se se tratasse duma realidade física. Como conseqüência, reduzimos os princípios diretores do homem a simples fenômenos naturais, o que aniquila toda e qualquer forma de conhecimento. Como, exemplificamos, poderíamos traduzir os princípios da lógica em termos psicológicos, visto que o psicólogo utiliza tais princípios em sua explicação?

Recusando tanto a especulação metafísica quanto a formalidade positivista, Husserl segue um terceiro caminho, ansiando nos colocar no mesmo plano da realidade, das “coisas mesmas”. O fenômeno é lastrado de pensamento. É logos, ao mesmo tempo que fenômeno. Não existe nenhum fato do qual possamos dizer que ele não é nada. Se não nos perguntamos “o que é!?” a um algo qualquer é porque já acreditamos sabê-lo. Todo fenômeno traduz-se pela possibilidade de ser nomeado, designado, essencializado.

Um fato sempre visa um sentido. Destarte, notamos que a intuição das essências não se identifica às factualidades materiais, mas sim ao sentido ideal que lhe atribuímos, como o menino que chama de círculo a gravura levemente oval que suas mãos trêmulas e descompassadas desenharam.

As essências, aqui, enquanto estruturas a priori do pensamento, independem da experiência sensível, embora se manifestem através desta. Mas tal assertiva não é, necessariamente, inovadora; Platão já criara um mundo de idéias condicionante do sentido das coisas. A grande sacada de Husserl foi retirar as essências de sua morada transcendente e inteligível, “retornando às coisas mesmas”. Coloca-as na consciência, pois é como visada de consciência que elas se manifestam a nós.

Deriva-se, daí, o Princípio da Intencionalidade. A consciência é sempre “consciência-de-algum-objeto”, só é consciência estando dirigida, buscando sentido, intencionando coisas. Já os objetos só podem ser nomeados e definidos em relação a um sujeito, sendo sempre “objetos-para-uma-consciência”. Assim sendo, as essências não existem fora do ato de consciência que as visa e as apreende! Igualmente inconcebível é sairmos desta correlação sujeito-objeto – noese e noema – já que, fora deste relacionamento, não há nem um nem outro.

Estudar e descrever as essências da consciência constitui, para Husserl, a fenomenologia. Não a consciência enquanto objeto da psicologia, mas aquela que é intuitivamente constitutiva do mundo.

A Gestalt e o Campo Perceptivo

Ehrenfels, precursor da teoria da forma, exemplifica o que ele chama de Qualidade Formal com a invariabilidade de uma canção transposta em outro tom. O mesmo exemplo serve para ilustrar a noção de Estrutura, definida como uma entidade autônoma de dependências internas.

Na transposição melódica, todos os elementos foram alterados, embora a canção permaneça, para nós, a mesma, devido à invariabilidade da proporção entre tais elementos, e não pela natureza de cada nota, tomada isoladamente. Para os psicólogos da Gestalt, a Forma – como acima foi definida – torna-se molde de explicação para todos os fenômenos psíquicos. Inteligência, memória, expressão, são todas vistas dentro desta lógica perceptual.

O Campo Perceptivo, aqui, não é um agregado desordenado de elementos no qual o sujeito do conhecimento ordena com seu pensamento, mas o próprio campo já é pré-ordenado, per si, em formas distintas e pregnantes. A forma não deve sua estrutura senão a si mesma!

Para os teóricos da forma, a consciência aparece, sim, como elemento organizador, mas ela não é, de modo algum, origem do campo. Um campo que é tanto percepção quanto ação. Percepção, pois função das necessidades orgânicas e suas visadas para o ambiente. Ação, pois função da percepção como movimento adaptativo. Vale salientar! O termo “campo” deve ser entendido não como metáfora, mas como descrição. É no sentido físico – puramente físico – que o campo deve ser compreendido.

Encontros

Se definirmos essência como o modelo invariante dentre toda a diversidade do sensível, será compreensível aliá-la à idéia de forma e de estrutura. Para o próprio Husserl, a essência – sempre idêntica a si mesma – mesmo submetida a todas as variações noemáticas, nos permite captar estes objetos como sendo sempre o mesmo. Entretanto, na essência, o objeto, como sentido ideal, é produzido pela visada de consciência, enquanto a forma da Gestalttheorie seja uma realidade não tão somente psíquica, mas igualmente física ou, até mesmo, puramente física, que se impõe à consciência como pré-existente a toda atividade de análise e síntese.

A Gestalt, holística e dinâmica, concebe um dado fenômeno como determinado por vetores da totalidade do campo. Essa concepção de espaço dinâmico – fisicamente dinâmico! – nos permite definir variáveis passíveis de previsão e controle, dando ao estudo das formas psicológicas o mesmo rigor científico da dinâmica galileana. Para Husserl, no entanto, reduzir a visada de consciência e o princípio de intencionalidade a simples fenômenos psicofísicos seria fazer psicologismo, redução dos princípios diretores do homem a factualidades naturais.

A fenomenologia de Husserl possui caráter notavelmente noético, puxando a correlação consciência-objeto para o lado do sujeito. Sua filosofia é, grosso modo, idealista e transcendental, visto que o mundo se dá pela consciência que o constitui. Já a teoria da forma mostra-se naturalista – noemática – pois é a consciência que vem a ser absorvida e definida pelas estruturas naturais! Husserl foca o sujeito, puro e transcendental, enquanto a Gestalttheorie desenvolve sua retórica em cima das estruturas do objeto. Um vislumbra as idéias. O outro, a matéria. Heidegger acentua, ao contrário, a própria relação consciência-mundo, sendo esta a mesma interpretação de Merleau-Ponty. Mas esta já é uma outra história...

Bibliografia

DARTIGUES, André; O que é a fenomenologia?; Trad. Maria José I. G. de Almeida; 7ª edição; São Paulo; Centauro; s/d.

KÖHLER, Wolfgang; Psicologia da Gestalt; Trad. David Jardim; Belo Horizonte; Itatiaia; 1980.

RIBEIRO, Jorge Ponciano; Gestalt-Terapia: Refazendo um Caminho; São Paulo; Summus; 1985.

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