sábado, 10 de janeiro de 2009

Biografias e a Boa Forma

Não gosto de biografias. Ponto! Em verdade, eu até gosto... Só não acredito nelas! Quer dizer... Eu acredito no descrito, no im-presso, no ex-presso pelas biografias, mas é que... Bem, mostrarei algumas micro-narrativas para, depois, iniciarmos nossa discussão:
"A" foi uma criança intuitivamente metódica. Adorava contrariar crendices e descontruir ilusões, sentindo certo prazer em passar por debaixo de escadas ou cruzar gatos pretos. Gostava, sempre, de conhecer as razões de todos os efeitos, embora nunca partilhasse suas dúvidas com ninguém, visto que era desgostoso com as respostas simpórias que lhe davam por ser "só uma criança". Cresceu, assim, em seu mundinho particular, criando sistemas sobre as pessoas, teorias sobre o mundo e planos para o universo, em toda a sua megalomania adolescente. Quando adulto, adentrando no saber acadêmico, encanta-se pelo livre pensar, pelo conhecimento e por sua controvertida história, tornando-se um filósofo da ciência, um epistemólogo."
"B" foi uma criança incrivelmente avoada. Sem aptidões esportivas, notas extraordinárias ou tato social, seus pais o dispuseram, desde tenra idade, a aulas particulares de piano. Demonstrando boa performance para sua idade, "B" foi tido como "talentoso" por sua professora. Quando pré-púbere, desiste do piano, acreditando ser a música uma realização parental, não sua! Um ou mais anos depois, resolve estudar violão - por sua vontade - com um tutor, abandonando as aulas meses depois, mas ainda abraçando seu recém-adquirido gosto pelas melodias. Auto-didaticamente, continua seus estudos no violão e volta a estudar piano. Adentra numa universidade - destino de todo homem bom! - mas abandona sua graduação para dedicar-se inteiramente a música, trabalhando, hoje, como compositor."
"C" foi uma criança notadamente religiosa. Levava muito a sério os discursos de santidade e beatitude, de bondade e de beleza, que o sacerdote proferia. Almejava santidade pois, acreditava, era este o primeiro passo para um mundo melhor. "Devemos sempre buscar a Deus" ou "devemos ser perfeitos em nossas ações" eram freqüentes chavões seus, como um navegante que mira a estrela mais longíncua visando um porto para seguro ficar. Ao adolescer, conhece doutrinas outras e abandona a Igreja, visto que - dizia - o amor de Deus não está restrito a instituições. Torna-se doutor, homem de reconhecimentos, mas troca tais honrarias por uma vida nômade, verdadeiro missionário ecumênico."
"D" foi uma criança exageradamente sentimental. Sensível ao extremo, apaixonava-se com muita facilidade. Gostava de emoções fortes, de situações inesperadas, de calor humano, embora tímido, reservado e solitário. Em juventude, época dos amores, pouco se envolvia com garotas, demasiados eram seus sonhos e devaneios. O que poderia-ter-sido ou o que poderá-ser lhe eram mais importantes que o que agora era. Criativo, de escrita jovial, dedica-se às letras e às humanidades, tornando-se romancista."
Pois bem! Quatro sujeitos. Quatro estórias. Quatro linhas. Vamos deixar as historietas de molho, por alguns instantes, e pegar um novo caminho. Falemos da Gestalt.
Imaginemos um macaco trancafiado numa jaula. Acima de sua cabeça, encontra-se um cacho de bananas, além de seu alcance e, fora da jaula, uma longa vareta. O macaco, aqui, problematiza a realidade (peço perdão aos existencialistas puritanos...): ele quer o cacho de bananas e, neste instante, seu mundo se resume a isto! Seu campo perceptivo começa a se arranjar, des-arranjar, re-arranjar, até que o problema se bem-coloque. O macaco tem (perdão aos essencialistas, desta vez...), assim, uma compreensão interna, um in-sight, e fecha sua estrutura, sistematiza sua boa forma, configura sua Gestalt. Estende sua mão para fora da jaula, pega a vareta e colhe as bananas. Percepção. Percepto e ação!
Para se fechar a Gestalt, precisamos de um intuito, de uma direção, de um sentido. Precisamos de um ponto de chegada, um objetivo subjetivo, para começarmos a caminhar. Organizamos as condições materiais, agrupamos os elementos e, deste modo, criamos uma totalidade maior que suas partes. Damos sentido ao inerte. Produzimos o dado. Significamos a factualidade. Possibilitamos um des-envolvimento, uma cronologia dos momentos únicos, um registro da vida. Bio-grafia! Como se uma vida pudesse ser assim disposta, em trajetos, cursos e causalidades! Nossos quatro sujeitos - creio que os senhores já tenham desconfiado - são a mesma pessoa! São quatro recortes de sua infância, tecidos junto a algumas possibilidades de seu futuro. São o novelo de meu ego, desagregados para compreensão e alinhados para registro. Sou escrito, sou formado, sou posto como resposta aos outros e a mim mesmo. Sou eu. Sou um Eu...

Um comentário:

Felipe J. R. Vieira disse...

A grande questão, causa-efeito, ou seria, efeito-causa, talvez só causas, ou quem sabe só efeitos. Com este texto, percebi que a ciência, em sua grande maioria, só traça um caminho, e os outros diversos percurso são esquecidos, já encontramos um caminho seguro. E por último, a frase de Descartes não deveria ser: penso, logo existo! E sim percebo, logo existo!

E sua biografia, voltará a qual caminho?