segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Melancolia


Fala o grego: μελαγχολία. A tristeza de Chronos, o suor de Apolo, o cansaço de Hefesto, o peso de Átlas. Bílis negra, diria o estagirita. Nem Dionísio consegue mais gargalhar. Mostra os dentes, esse cavalo vendido. Fala o grego: μελαγχολία. Mais uma palavra a enumerar o meu vocabulário vasto; vastidão, essa, tristemente solitária. Árida, tal qual a areia melindrosa sob as carruagens do sol. Pior que atravessar o deserto é nele encontrar um ou dois oásis e não ter com quem os partilhar. Veja, veja, meu nobre colega! Enxergo lagos cristalinos de água e de vida a escorrer por aquela direção! Toma a minha mão e me segue. Não, me puxa! Não sei se tenho mais forças. Está tomado pelo cansado, também? Puxemos um ao outro, então. Não, não, não é uma miragem! Acredita em mim, acredita no meu delírio. Fica, por favor. Foi-se embora. Céus! Perco a terra mas, avoado que sou, nem ligo. O fogo crepita, ardente paixão, e me consome em febre. Tenho água, mas ninguém para bebê-la, comigo. Bebo só. Puxo as minhas cordas e toco algumas notas de silêncio. Cadê a platéia? A orquestra? O ouvido, atento e amigo, a capturar minhas composições mais frescas? Com-posição. Estar-com. Hermenêutica existencial. Valei-me! O sol sibila, assobia e sai de cena. Cadê a dor? O ardor? Foi-se embora!? Corro atrás do calor, antes que anoiteça de vez, e busco o fim do horizonte. O ponto final da reta. Percorro o infinito de Zenão e de Euclides, mas nada do Sol. Solitude. Sento e choro mas, desidratado, nada mais escorre. Meus olhos sumiram! Nem notei, pois. Não tinha nada para ver, ademais. Caio numa depressão - malditas dunas! - mas logo me levanto. Limpo-me da areia. Tropeço de boca - de novo!? - e me sinto envolto pelo frio. Frescor. Frescor!? É água! Espumante, gelada, saborosa. Cuspo-lhe. Sal demais. Mas volto a enxergar. Cheguei ao fim do horizonte: é a orla, a borda, a fronteira. É água e areia, céu e terra, é o grau-zero da escrita e o infinito da duração. Procuro um perdido para lhe contar minhas muitas histórias do deserto. Encontro um outro estirado ao chão, sendo banhado pelo lá e cá do branco oceânico. Mas ele nem se mexe. Estaria morto pelo deserto? Desistiu da caminhada!? Cutuco o corpo. Imóvel. Mas ainda respira. É pior do que eu pensava, então. Escolheu dormir. Dou-lhe a volta e continuo a caminhar. Coleciono as conchas do caminho e faço uma trilha com a palma dos meus pés. O marzão as apaga. E me trás conchas novas para a minha coleção. Penso em voltar e refazer os meus passos, que nem o obsessivo a checar suas portas trancadas. Escolho seguir adiante, porém. Viro-me, bruscamente, e me choco em algo, um algo forte o suficiente para me derrubar uma terceira vez. Não sei se fala meus dialetos, mas não consigo parar de lhe fitar seus olhos. Brilhosos, eles são. Olho para mim mesmo com os seus olhos e me espanto com a beleza do prosaico. O avermelhadamente lindo do céu crepuscular, o gostosamente frio das ondas e suas escumas, o vento morno que furtivamente me toma o ar. O crônico solta seus agudos. O tempo vira espaço. Já posso fixar morada. A minha busca por beleza acabou. Já encontrei um outro. Um tu. Você. Seus olhos. Paro por aqui. Nada do que possa dizer brilha mais que tuas retinas. Mel que escorre feito as águas do deserto. Puro mel, puro doce, puro outro. Sim, é aqui que resolvo parar. Tenho histórias do deserto para lhe contar, mas não agora. Conta-me uma história doce, me faz esquecer de mim mesmo, arranca-me os olhos e põe tua visão no lugar. Chronos dá lugar ao Kairós, Apolo corre atrás de Dafne e Hefesto resolve tirar um cochilo. Dionísio não gargalha. Mas sorri...

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