domingo, 25 de julho de 2010

Nodame Cantabile

Gosto de coisas duais. Coisas duplas. Quase falsas. Não é das contradições dos românticos que falo, porque estes ou querem cobrir o mundo efervescente com o véu gelado da razão humana ou querem fazer dos afetos a potência motora de toda e qualquer eventualidade. Nem Hegel nem Freud. Talvez por isto goste tão publicamente do Bergson e começo, em segredo, a tomar afeição pelo Bachelard. Ciência, método e rigor dividindo o palco com arte, poesia e criação. Não um ou outro. Nem um e outro. Mas um outro! Ou "um-outro", para os que gostam de conceitos bonitinhos. Talvez seja nessa um-outreidade (valei-me!) que se situe meu apreço por Nodame Cantabile, um anime sobre música erudita.
E já se revela, aí, a primeira mostra de um-outreidade em Nodame Cantabile. Falas histéricas, olhos esbugalhados e reações inesperadas fazendo conjunção carnal com platéias silenciosas, ouvidos atentos e partituras. Um casamento que, numa primeira visada, teria tudo para descambar num divórcio, e sem separação de bens. Mas não! Animações e eruditismos conseguiram - como em poucas vezes - fazer um casal casadinho, casal-um-outro! E um trabalho tão bonito carrega duas personagens igualmente bricoladas, ainda que gritantemente diferentes.
Chiaki-sama e Nodame-chan. O ordeiro e a caótica. O perfeccionista e a desleixada. O maestro e a professorinha do jardim. O barroco rebuscado e o jazz desconexo. A leitura na pauta e a composição inventiva. Diferenças! E diferença, na minha escrita, não se opõe a semelhança, mas a indiferença! Vejamos. O primeiro encontro, ainda que invisível, de nossos heróis se dá na escola superior de música na qual ambos estudam. Chiaki, logo após discutir feiamente com seu orientador, começa a andar apressado pelos corredores do prédio e escuta, vindo de uma das salas de treino, o segundo movimento da sonata para piano nº 8, de Beethoven, a famosa Patética. Esse hipnotizante movimento, um Adagio Cantabile, é conhecido pelo seu ar de tranquilidade e leveza, fruto dum encontro um-outro entre o andamento pesado e moroso dos adágios e o tempo flexível e carregado de legatos das canções. A execução que Chiaki escutava, no entanto, estava interpretada em Capriccioso Cantabile. Uma Super-Canção! Saltitante, imprevisível, desordenada! Mas, mesmo desordenada, não estava errada. Isso Chiaki assumia. Era apenas um encontro outro do parido por Beethoven. Diferente!
O segundo encontro Chiaki-Nodame - que pode ser considerado um prolongamento do primeiro - se dá quando a menina Nodame, ao voltar para casa, encontra Chiaki desmaiado de bêbado à frente de sua porta. Acaba levando-o para dentro de seu apartamento; um verdadeiro aterro, principalmente quando comparado à perfeição métrica e higiênica do lar do mocinho que, por sinal, é seu vizinho. Ao acordar, Chiaki dá de cara com o corpo que deu vida a tão caprichosa interpretação da Patética, tocando a mesma bela e imprevisível canção, mar de beatitude a preencher um quarto cheio de lixo. Assustado, corre dali o mais rápido que suas pernas, bambas de ressaca, permitem.
O desenrolar da narrativa toma um caminho muito característico dos mangás shoujo: Nodame se apaixona - loucamente - por Chiaki, que pouco lhe dá bola. As situações decorrentes, porém, sempre insistem em colocá-los juntos. O que nos interessa: Chiaki, devido a um trauma de infância, não consegue viajar de avião ou navio, o que o impossibilita de ir à Europa; já Nodame, mesmo sendo dona duma pegada musical invejável, tem como sonho ser uma professorinha maternal. Ambos planejam, mas nenhum consegue caminhar. Chiaki, preso ao Japão, não pode construir sua desejada carreira de maestro e Nodame, instável e imprevisível, não conseguiria nem se dedicar ao piano erudito nem tomar conta das crianças, que tanto ama. É aí que um e outro se enlaçam.
As postagens daqui, do Sujeito, em geral querem sempre fazer uma apologia à criação, ao novo, ao imprevisto. Os visitantes usuais deste cantinho devem até estar esperando uma comparação entre o intelectivo Chiaki e a intuitiva Nodame, e como esta é superior a aquele por isto, por aquilo e por mais tantas outras coisas. Mas não! Hoje, quero falar do encontro. Chiaki-Nodame. Chiaki nada seria sem a Nodame, e a Nodame nada produziria sem o Chiaki. O arrogante Chiaki, preso a suas próprias pautas, passa a olhar para o lado humano da música, aprendendo que reger orquestras é, antes de tudo, escutar as pessoas. A maluquinha da Nodame, em contraparte, passa a escutar as referências inumanas que por aí ressoam, deixando de compor - a todo momento - em cima das músicas de outrem. Dessemelhanças que se fazem diferença! O casal não se ignora. Não se fazem unidades separadas, nem um 2 fechadinho. Mas se permitem afetar! Produção de diferença, em si e no outro. Chiaki recebe uma transfusão de vida, verdade! Mas Nodame aprende - antes de mostrar seu repertório - a escutar o que é que os outros tem a lhe dizer...

Um comentário:

naykiller disse...

Essa é um ponto de vizta que eu ainda não conhecia de Nodame Cantabile... Adorei!
Aconselho também que veja o Dorama de mesmo nome, a atriz sobe captar muito bem a personagem da Noda =D