domingo, 15 de setembro de 2013

Embargo Infringente, o bug democrático da vez

A Lei 8.038, de 1990, normatiza os procedimentos do STF e do STJ, e é lá que consta esse lance de "embargos infringentes"; grosso modo: uma decisão do plenário do STF/STJ que não seja unânime pode ser revogada pelo Congresso. 

É um meio de as decisões do Supremo não excluírem a possibilidade de recurso dos réus (o EI não existe noutros Tribunais pois estes tem suas próprias maneiras de o réu recorrer, inclusive recorrer a Tribunais superiores, inclusive recorrer ao STF). Em 98, FHC tentou adicionar um novo artigo à lei pra excluir o EI contra as decisões do STF (apoiado pelo atual Ministro Gilmar Mendes, vale lembrar), mas não conseguiu levar isso adiante.

O bug: é o embargo ele mesmo que impede uma "ditadura do Judiciário", que impede que as decisões do Supremo tenham caráter irrevogável; mas é este mesmo embargo que - tomando um caso concreto e atual - pode tornar inválido o julgamento do Mensalão. Noutros termos, o EI é tanto uma "falha do sistema" que inviabilizaria certas investidas do Judiciário (argumento usado por alguns ministros contra o uso do EI no caso do Mensalão) quanto o fundamento do próprio Estado Democrático, visto ceder o direito de recurso aos réus (independente do crime em questão). 

Uns diriam que o Estado de Direitos precisa desses bugs ("antes um sistema penal contraditório que uma monarquia absolutista, soberana e arbitrária", argumentam); outros, diriam que todo sistema encerra em si mesmo "os germes de sua própria destruição". Para além da lógica ou da dialética materialista, convém pensar a questão em termos menos formais. Uma via de análise mais humilde, que não vise resolver a questão de maneira imediata, num único movimento de mão, colocaria apenas que o EI é só um exemplo de como a modernidade produz e engendra paradoxos. 

Mundo de representações formais e de espaços que pretendem legitimar e segmentarizar cada aspecto da vida humana, a modernidade é muito menos um espelho do real que um caleidoscópio de pedaços infinitos, de pedaços incomunicáveis. Ao pretender-se pura, denuncia a impossibilidade de seu projeto produzindo, ela mesma, esses monstros híbridos, esses mistos problemáticos e irresolvíveis.

O paradoxo, antes de um erro lógico, de uma contradição de termos, antes mesmo de uma fagulha de mudança, é o signo da vida moderna. Uma semiótica do contemporâneo deve levar em conta, antes de qualquer outra coisa, o aspecto paradoxal das engrenagens modernas.

O sistema jurídico produz as suas quimeras. A ciência produz as suas quimeras. O trabalho assalariado produz as suas quimeras. A religião produz as suas quimeras etc. Cada um desses, e além, produzem quimeras e são, eles mesmos, monstros inabaláveis, visto não serem questões efetivas, mas miragens, entraves, bugs. A questão é muito menos "matar o dragão" que "pilhar o seu tesouro"; e é muito menos "pilhar o seu tesouro" que aprender a viver, a investir numa existência para além de qualquer dragão e de qualquer promessa de tesouro que a sua derrota (ou filiação) poderia nos legar.

A modernidade é, a priori, uma não-modernidade.



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