terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Big Fish

Acabei de pescar um peixe grande. Daqueles que devolvemos à água, dada tamanha a beleza da criatura e, depois, passamos por mentirosos, quando o descrevemos para os homens de pouca fé. Enquanto procuro algumas fotografias do filme Big Fish, esbarro-me com uma e outra sinopse do mesmo, odiando-as todas! Uma sinopse é - eu diria - a linearização de pontos isolados da trama complexa para a criação duma configuração estrutural específica. Já suscitamos, no blog, algumas problemáticas semelhantes sobre biografias, apelidos e sistematizações, que muito viriam a calhar neste artigo. Mas, justamente por já terem sido expostas anteriormente, não irei re-argumentá-las. Só para bem-colocar o post, afirmo que toda sinopse fecha a possibilidade da história poder vir a ser qualquer outra coisa para o homem que a lê. A sinopse, sendo imagética, limita a complexidade criadora e, em se tratando de Big Fish, destrói a mais sublime de suas poesias e intuições: a imaginação!
Peixe Grande deve sua existência à imaginação. Não a imaginação de Edward Bloom e suas miríficas histórias, mas a potência mesma do imaginar, a função psíquica primordial, o poder para diferir de si mesmo! A imaginação é sempre maravilhosa, fantástica, incrível. Filha e mãe das maravilhas, autora e personagem das fantasias, espectadora e menestrel do inacreditável. Nosso Ed é figura por demais carismática e cativante, pois a imaginação - igualmente - torna cativos àqueles de quem se apossa. Todos o amam! Todos a amam! Menos Will...
Filho único de Ed, tudo o que Will gostaria é que o pai lhe contasse uma história factualmente verídica de sua própria vida. Injuriado, afirma só conhecer o pai em suas andanças com gigantes, mares de narcísos, bruxas, guerras mundiais, cidades perdidas e demais devaneios. Will quer os fatos e, tão somente, os fatos! Ed, no entanto, se atem aos valores.
Sabem quando chamamos nossos amigos mais chegados de Miseráveis!? E quando gritamos "Cara-de-pau!" para uma pessoa que amamos!? Ou então, lembram quando juraram em falso para preservar uma festa-surpresa!? Temos, aí, três factualidades que nada significam diante das valorações que carregam. O adjetivo, o insulto e a mentira não são o que aparentam ser. O "Miserável" é o "Querido Amigo", o "Cara-de-pau" proclama "Amo-te, mas finjo estar aborrecido contigo", e o perjúrio, ora bolas, nada mais é que o remédio ruim, o prelúdio largo da prestíssima sinfonia.
O nascimento de Will, narrado por seu pai, torna-se um evento miraculoso, onde espíritos antigos, feras marinhas e uma aliança de casamento se unem para contracenar um drama nunca antes contado. Em verdade, William teve um nascimento normal, chato e cinza, idêntico a trocentas outras gêneses. Mas, para Ed - creio - o nascimento de seu primeiro filho foi caleidoscopicamente mágico, nada condizente com os fatos. Logo, Ed re-valora tudo! E por re-valorar tudo, re-valora a todos! Produz o passado e o entrega como um dado a quem o quiser. Homem de poder!
Edward não cabe em si. Gera e exagera a todo momento. Não mente, mas sempre inventa. Não suja, mas sempre borra, cá ou lá. Peixe Grande é imaginação! Seja a do Ed, como rio criador, seja a nossa, como peixinhos a nadar no fluxo d´água. Água sem cor, cheiro, sabor. Água sem forma! Ed é peixe, é água, é a imaginação! É o homem que viu a sua morte no olho-de-vidro da bruxa velha e, mesmo morto, continua vivo! Vivo naqueles que se deixam igualmente imaginar, diferir, transcender. Deveras! A imaginação nunca morre...

Um comentário:

Felipe J. R. Vieira disse...

Olá caro James, a cada artigo colocado neste blog, fica mais difícil comentá-lo, principalmente quando se tratam de filmes. O olhar poético com que você os descreve é bem maior do que o que eu consigo transcrever.
Só o que eu tenho a dizer é, que assim como Amélie, Peixe grande ultrapassa a ótica, causando extranheza para aqueles de pouca profundidade, pessoas que em vez de admirar as histórias de pescador, logo a taxam como mentira

Até mais!!!