sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Le Fabuleux Destin d´Amélie Poulain

Dia desses, conheci Amélie. Francesinha. Sorriso sincero. Olhos de jabuticaba. E uma alma do tamanho do mundo! Não deu outra. Apaixonei-me! E tão difícil quanto re-presentar a Amélie é re-presentar a sua película: Cinco indicações ao Oscar, uma indicação ao Globo de Ouro, dois prêmios no BAFTA - British Academy of Film and Television Arts - treze indicações no César, além de outras formalidades em festivais de cinema, como os de Toronto e Edinburgo. Tais premiações, no entanto, pouco ou nada significam diante da menina Poulain e das personagens outras que atravessam a sua história.
Chega a ser pecaminoso delinear o filme. Dar-lhe uma continuidade, um sentido, uma sinopse. Faço a biografia de Amélie Poulain, no entanto, como um peccatum verum necessarium, para que possamos bem-colocar alguns problemas. Seu pai, médico-militar-aposentado-insensível, nunca manifestava afetos e fatos corolários para com a menina. Esta - durante os exames médicos mensais que seu pai lhes realizava - ruborizava a face, ofegava o respirar, acelerava suas síncopes cardíacas, dada tão rara e preciosa troca de tato com seu progenitor. Este - devido ao comportamento inadequado da fisiologia de sua descendente - julgava que a mesma possuia alguma anomalia cardíaca. A menina Poulain, assim sendo, cresceu isolada das outras crianças, tendo sua mãe-professora-neurastênica como tutora. Tal detalhe - singelo - é essencial para a im-compreensão do pensar nonsense de nossa protagonista. Privada do contato com outros infantes, mas ainda pequena para escalar a árvore da adultescência, vivia em seu cenário particular, com personagens particulares e suas tramas ainda mais particulares. Sozinha!
Quando grande - embora ainda pequena! - encontra, em seu lar, uma caixinha de adereços do antigo dono do local. Figurinhas e fotos, carrinhos e bonecos, lembranças e esperanças. Amélie resolve, então, encontrar o antigo morador do aposento, para devolver-lhe os pertençes. Durante a sua curiosa empreitada para encontrar o antigo inquilino - Dominique Bretodeau - Amélie se perguntava sobre como o homem re-agiria quando tivesse em mãos seus tesouros infantis. Vítima do curioso estratagema de Amélie, o Sr. Bretodeau encontra a caixa, sendo tomado por uma tormenta de experiências e sabores de outrora - vigor do ter sido! - que o impulsionam à decidir alguns aspectos de seu porvir, como fazer as pazes com a filha e conhecer o neto.
Amélie Poulain, presenciando seu milagre, é tomada por um sentimento ingênuo, porém sincero, de ajudar toda a humanidade. E assim prossegue o filme! Ela não só ajuda o cego a atravessar avenidas, mas lhe descreve toda a paisagem e suas matizes enquanto isto. Não só faz o ex-namorado-mal-encarado de sua amiga parar de perseguí-la, como também arruma uma pretendente para ele, sua amiga-outra-hipocondríaca-encalhada. Não só consola sua vizinha abandonada, mas... Não, esta eu deixo para os que assistiram! Amélie sente-se em débito com o mundo, mas sempre paga a mais do que deveria. É a artista humilde que, após terminado o espetáculo, desaparece antes das palmas e ovações!
Para aqueles que se esbarraram com o post anterior, peço que a comparem com o Irônico! E não levem muito a sério tal comparação, eu vos digo. O Irônico verdadeiramente Irônico nunca leva as coisas muito a sério. Não digo, claro, que a Amélie saia pelas ruelas e subúrbios franceses valorando e impondo bem-aventuranças. Longe disso. Muito longe disso! Mas o nosso anjinho - mulher cheia de estratagemas - nos mostra uma boa maneira de agenciar nossas ironias, além de nos esclarecer algumas possíveis conseqüências do ser Irônico.
Pensava em listar alguns pontos para nossa discussão, mas listas me passam - de certa forma - a noção de obrigatoriedade, imperatividade e inevitabilidade! Esqueçamo-las, então! Ao menos, neste agora. Vamos fazer saltar, apenas, três pontinhos da película que nos serão importantes: a união de Joseph e Georgette, a radiante transformação de Madeleine e a menina-do-copo-d´água na pintura do velho Dufayel, agenciamentos da jovem Poulain. E o que saboreamos disto tudo!? Talvez que nem sempre nossos estratagemas dão certo, nem sempre podemos fazer o correto da maneira correta e nem sempre devemos ser Irônicos. Ao menos, aquele Irônico da acidez, da destruição e da solidão puras.
Amélie sempre foi solitária, imaginativa e criadora. Culpa de seu pai? De sua mãe? De seu peixinho suicída ou de sua polaróide dos desastres? Quem sabe!? Mas o filme só termina - e sua vida só começa - quando a heroína se esbarra com seu próprio problema, com seu próprio princípio motor, com sua própria condição de Irônica: Amélie resolve sua solidão, problema-de-si, e se une a um outro alguém. Um outro Irônico, solitário e desejoso de companhia! O Irônico afeta o mundo - sim! - mas também está disposto a ser afetado por ele. Lida com o mundo como uma criança ao brincar, coisa séria só até a hora do jantar! Para depois afastar-se - mais uma vez - de sua casa e ir ao encontro de seus amiginhos, um ou dois, mas escolhidos a dedo...

Um comentário:

Mairla disse...

tinha lido esse texto logo quando vc o postou e não comentei nada... e a pretexto do trabalho de personalidade com esse filme lembrei e voltei aqui pra ler de novo.
foi um nova leitura de uma anterior que nem lembro ao certo como a fiz. acho que da satisfação de ter te dado um filme que vc gostou pulou pra admiração por ter lido coisas as quais já tinha pensado sobre o filme. e que combina muito, acho, com movimento que vamos levando de leituras atualmente... e isso é bom! coisas que estamos percebendo da mesma forma e sentir uma vontade enorme de compartilhar isso que tá no mesmo ritmo...
como disse, muito bom encontrar alguém que está seguindo o caminho ao nosso lado. bom mesmo...
acho que uma semelhança é o quanto temos ou sentidos um pouco de Amelie. e é com isso que o filme mexe... fazer nos sentirmos um pouquinho dela.
o que me toca muito é ser uma menina... grande, quase adulta, mas menina! :)
com vontade de mudar o mundo, de salvar, de pagar as dividas... isso é muito inocente, mas no fundo acho que as vezes tentamos fazer isso sem perceber. e até sem querer admitir!
seria o desejo do homem moderno?