sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Matemáticos, Engenheiros e Técnicos

A produção de conhecimento é atravessada por processos e intensidades em muito semelhantes à produção de um bem de consumo qualquer. A galera da mão-de-obra, o cara com os meios de produção, a economia simbólica. Toda uma discussão sobre signos, conceitos e valores que não nos interessa em profundidade, aqui, neste post. Só pretendo, agora, falar sobre as três lidas para com o conhecimento.
Por conhecimento, entenderemos - e será nestes termos que usarei a palavra e seus símiles! - um saber válido. Mais importante, reconhecidamente válido! Os rituais e cânones, os métodos e procedimentos, as escalas e matizes. Conhecer é produzir e inventar, tomar posse e interpretar, ex-pôr e im-pôr. A Matemática. A Engenharia. A Técnica.
A Técnica é filha da Inteligência. Resolver problemas é sua função. Descobre a cura de cânceres, compôe canções de sucesso, agencia campanhas contra a fome, constrói bases espaciais, eleva arquiteturas monumentais, mobiliza pastorais na comunidade. O técnico re-produz e re-presenta uma lógica dada, linear e fechada. É Aristóteles, é Ingênuo, é cientista. Sabe que está no caminho correto. Sabe que sabe! O inteligente é mantenedor da civilização, da sociedade e da cultura. Benditos sejam os técnicos, a nos agraciarem com seus inventos!
A Matemática, por sua vez, é filha da Intuição (sendo esta irmã gêmea da Inteligência...). Problematizar é a sua messe. Dança num espaço-tempo de 4 dimensões, canta o dodecafonismo, brinca de metafísica, desenha com as estrelas, constrói castelos de areia, dialoga com seus rivais. O matemático produz lógicas, rompe destinos, abre possibilidades. É Sócrates, é Irônico, é filósofo. Sabe que o caminho sempre pode mudar. Sabe que nada sabe! O intuitivo é o crítico, o místico, o vanguardista. Louvados sejam os matemáticos, pela invenção nossa de cada dia!
Técnica e Matemática. Inteligência e Intuição. Cientistas e Filósofos. Ingênuos e Irônicos. Inventos e Invenções. Não sei se já comentei, mas adoro dualismos! O outro lado da moeda, a outra face do dado, o canto escuro do quarto. Partilho tal gosto pelo duplo com Bergson, que poderia ser creditado pelas idéias que expus até então. No entanto, tendemos sempre a contrapôr - como adversários na eternidade - as extremidades do rio, por temer enfrentar a forte correnteza que separa as suas margens. É aí que surge a necessidade de uma ponte sólida para que possamos seguramente transitar as partes. Que entre em cena, destarte, o Engenheiro.
Entre a matemática inútil do filósofo e a técnica reprodutiva do cientista, colocamos a engenharia sofística do retórico. Em algum lugar entre Sócrates e Aristóteles, esconde-se Platão. Projetista de repúblicas, mentiroso político, matemático das almas. Tão sôfrego quanto inventar é convencer! Convencer que a novidade é necessária, que o inútil é preciso, que a diferença é requisitada. E Platão nos simboliza um equilíbrio molar, uma catálise molecular, uma estequiometria dos reagentes. É o resultante da acidez corruptora do Irônico com a base solidificadora do Ingênuo.
Platão é dual, assim como todo Engenheiro do conhecimento o é. Tem os pés fincados no chão e a cabeça rodeada por nuvens. Gigante! Faço não uma apologia ao pai das Idéias, em específico, ou aos Engenheiros, em geral. Tampouco pretendi fazer crachás tipológicos dos empregados na empresa do saber. A Matemática-Intuição é transcendência de nós, é o sair-de-si, o mundo das Idéias; a Técnica-Inteligência é imanência em nós, é a re-petição, o mundo dos Ídolos; a Engenharia é ponte, é barquinho, é a criação do mundo Ideal.
O engenheiro erige templos, religiões e comandamentos; funda estéticas, escolas e estilos; delineia métodos, sistemas e teorias. Ele pega a água com as mãos, deixa-a escorrer entre seus dedos, e a coloca em recipientes geométricos e coloridos; água vermelha e quadrada, água verde e cilíndrica, água azul e cônica. Transforma a potência em cinemática, o mar em ondas, o invisível essencial em visível existencial. Mas sabe - sabe com ironia - que o barquinho não deve ser carregado cá e lá, pois isto nos impede de bem vislumbrar o outro lado. Ponte! Possibilita um agenciamento às inutilidades do matemático mas, ao mesmo tempo, mostra ao técnico que suas extensas fórmulas prontas são intensos cristais de planos e lógicas. Seu dedo aponta - inflexível - à lua, mas ele está mais preocupado na constelação que descansa por detrás dela...

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